[Edição #1] Diários da enchente
A mesma água que paralisa faz movimentar: as enchentes no RS e como elas me trouxeram até aqui.
Maio de 2024. Mês interminável. Mês em que a água levou tudo, ou quase tudo, de muitos. E, de todos nós, levou um pouco.
Depois de uma primeira semana desesperadora com a subida das águas, e de uma segunda lidando com a falta d'água em casa e um filho sem escola, veio uma terceira semana, em que eu já não conseguia mais ajudar como antes: com a volta do trabalho, faltava tempo para o voluntariado; e, depois de tantos dias, já não havia mais o que doar.
Foi então a hora de reorganizar a casa, as finanças, a vida. E, como em toda vez que se está diante de um trauma, de uma perda, de um evento capaz de modificar vidas, vem aquele sentimento de urgência, de que é preciso colocar planos em movimento, de que não é possível perder mais tempo. De que tudo pode mudar num instante e a vida passa num sopro.
E foi com essa inquietude (que não me é inédita, assim como não são os traumas e as perdas) que resolvi colocar em prática uma ideia que já estava ocupando espaço demais na minha cabeça, pedindo pra ser expulsa dali: uma newsletter com os escritos que já há alguns anos eu venho jogando aqui e ali, até hoje escondidos atrás da minha necessidade de perfeição.
“Notas aleatórias”. Mas por que esse nome? Depois do nascimento do meu filho e da minha separação, lá em 2021, criei o hábito de escrever diariamente, como uma forma de organizar pensamentos e aliviar sentimentos. Dizem que as palavras ou você as fala, ou as escreve, ou elas te sufocam (a internet diz que foi a Clarice Lispector que disse isso, mas pode muito bem ser uma dessas frases de parede de banheiro, vai saber).
Também me acostumei a anotar toda e qualquer ideia que me passasse pela cabeça. E passei a fazer isso no bloco de notas do meu celular, inserindo essas ideias todas como itens em uma nota que intitulei "Notas aleatórias".
De vez em quando, alguma das minhas "notas aleatórias” ganhavam corpo, viravam um pequeno texto e iam parar no Instagram.
Mas, numa rede social em que a maioria das pessoas não tem paciência pra ler uma legenda de mais de três linhas, em que os vídeos chamam muito mais a atenção, os meus textos acabavam se perdendo na crueldade do algoritmo.
Mesmo assim, continuei escrevendo. Jogava a ideia no meu bloco de notas, a ideia virava um texto, o texto ia para o Instagram. Nem sempre tinha coragem de publicar; na maioria das vezes, os textos ficavam escondidos atrás do medo imenso que eu sempre tenho de me expor, de ser julgada, criticada. De estar falando uma bobagem gigantesca - do que ninguém está livre, vamos combinar.
Até que, nesse momento de reorganização da vida depois de vinte dias de enchente, passou por mim um post da Martha Medeiros anunciando o curso dela de crônicas. Adoro escrever, adoro crônicas, adoro a Martha. Só pode ser um sinal, pensei. Olhei o valor do curso, dava pra parcelar em cinco vezes, é isso, vambora. Me inscrevi.
E, numa das aulas, ouvi a Martha falar que os textos precisam ser "expulsos de casa". Precisam ser publicados, submetidos ao leitor. Que é preciso perder o medo do julgamento, da crítica. Já não sabia mais se era aula ou se era uma das minhas sessões de terapia - em que eu trato exatamente o meu medo de rejeição -, mas era isso: era hora de expulsar meus textos "de casa". No caso, do meu bloco de notas.
Maternidade, relacionamentos, cultura, feminismo, empoderamento, política. Dicas de livros, séries, filmes, música, podcasts. Meus amores, minhas conquistas, minhas dores, minhas angústias. Meu cotidiano como mulher e mãe solo. Minhas reflexões sobre os mais diversos assuntos e acontecimentos. Minhas (tentativas de) crônicas, minhas histórias de viagem. Minha lente de aumento sobre as miudezas do dia a dia.
Tudo em textos curtos, pra ninguém cair no sono no meio da leitura. E leves, porque de pesada já basta a vida.
Semanalmente, sempre às sextas-feiras, pra já embalar o final de semana.
Fique à vontade pra comentar, discordar, concordar, dar sugestões, criticar. Mas com educação, porque aqui é casa de gente educada e eu só recebo quem me trata com educação também.
No mais, sejam bem-vindas (vocês vão notar, mas já adianto que, aqui, o coletivo é feminino, independente do que diga a gramática).
Até a próxima sexta-feira.
Abraço.